O mito do eterno retorno - parte II
A imitação do arquétipo terrestre - simbolismo do centro - em rituais e gestos profanos que se repetem em actos ab origine relativamente aos deuses, está ligado a algo metafisico, extra-terrestre, presente no cosmos, no qual a repetição desse padrão, surge como um retomar de uma acção primordial, já realizada pelos supostos deuses.
A realidade neste caso, é supostamente, a imitação de um arquétipo celeste.
Existem rituais próprios, que recriam esta realidade e locais específicos, designados os "centros do mundo" que estão enquadrados com essa mesma coordenada, por exemplo, os nomes dos lugares e nomes egípcios, eram atribuídos de acordo com os «campos» celestes: primeiro conheciam-se os campos celestes e depois identificavam-nos na geografia terrestre. Na índia, todas as cidades reais indianas, eram construídas pelo modelo mítico da cidade celeste, onde habitava na idade do ouro, o Soberano Universal. O mundo poder-se-ia dizer é assim, uma réplica de um nível cósmico…?
O centro em si, simboliza a porta para o céu! Nas crenças mesopotâmicas, uma montanha central une o céu e a terra, é o monte dos reinos, que liga entre si os territórios. O Ziqqurat por exemplo, seria uma montanha cósmica, uma imagem simbólica do cosmos, um local que realizaria a ponte entre o plano terreno e o divino.
O caminho para o centro por sua vez, é algo difícil e semeado de perigos, é um rito de passagem do profano ao sagrado, onde o acesso ao centro é uma iniciação, um acto de criação, a passagem do caos para o cosmos.
Todos os rituais tem um modelo divino, decorrem num espaço e num tempo sagrado, o qual foi realizado primeiramente por um Deus, um antepassado, do qual digna-se a repeti-lo.
Em conclusão, «a realidade só é atingida pela repetição e pela imitação de um arquétipo terrestre», o homem quase que deixa ser ele próprio e só se reconhece como real, quando deixa de ser ele próprio.
Algo interessante também, é que quando acontecem estes rituais, há um retroceder no tempo, ou seja, remete-se para o tempo em que essa acção se desencadeou primeiramente,« todo o sacrifício repete o sacrifício inicial e coincide com ele». A repetição de gestos, confere à realidade, um acto, uma abolição implícita do tempo profano e da história e esta abolição acontecendo, o homem é verdadeiramente ele próprio( está no tempo mítico), a repetição do sacrífico eleva-o para o mundo divino, o homem transforma-se em arquétipo pela repetição...
Esta ideia de repetição vai ao encontro de Nietzsche, na medida em que tal como para os homens das sociedades pré-modernas, ele próprio também pretendia uma ligação com o cosmos, que designava de UNO UNIVERSAL que com a recriação daquele misto dionisíaco sobe a forma apolínea, se entrasse num êxtase quase que orgásmico, rumo a essa conexão supostamente «divina», contudo, penso que repetição de Nietzsche, ia ao encontro de uma repetição terrena, do acto nascer, viver, morrer.....essa eterna repetição...
Livro e citações de Mircéa Eliade, filósofo oriundo da Roménia e que casualmente viveu em Portugal durante o período do estado novo.
Comentários